Nelson Moralle: Muito a explicar sobre cada detalhe que aparece em seu disco - JF Diorio/AE |
Por que as músicas do cantor e compositor
montes-clarense Pedro Boi foram parar no
disco de um homem chamado Nelson Moralle?
A resposta lembra uma sinistra
obra de ficção.
Reportagem de Julio Maria - O Estado de São Paulo
Nelson Moralle Junior existe. É um homem
moreno, cabelos grisalhos, estatura média, acabou de comprar um violão e
mora com a mãe em uma casa simples numa das principais ruas de São
Roque, no interior de São Paulo. Sua fala é baixa, seu olhar não vacila
e, não fosse uma incontinência verbal que o faz repetir a frase "cê tá
me entendendo?" quando aparenta nervosismo, seria um mestre da
persuasão. Nelson Moralle existe, mas o mundo que habita pode ser uma
assustadora obra de ficção.
Em 2011, Moralle foi entrevistado por
Antonio Abujamra no programa Provocações, da TV Cultura, como líder de
uma comunidade quilombola de São Roque. Chegou a ser apresentado por
Abujamra como exemplo de superação, um homem que aprendeu a ler e a
escrever aos 35 anos. Em outro programa, do Canal Rural, é descrito pela
apresentadora como "um músico com 30 anos de carreira que já trabalhou
com Clara Nunes, João Bosco e Alceu Valença". Uma trajetória perfeita,
se o mundo não fosse um pouco menor do que Moralle imaginou.
A 832 quilômetros de São Roque, em
Montes Claros, Minas Gerais, o cantor e compositor Pedro Boi atendia
clientes em seu bar quando um amigo chegou intrigado: "Acho que ouvi
alguém cantando uma música sua lá no Recife". Um tempo depois e Pedro,
59 anos e 35 de carreira, recebeu de outros amigos de São Paulo o CD com
o nome de Nelson Moralle na capa. Ao ouvi-lo, seu coração foi à boca e
seus instintos primitivos afloraram. "Eu só queria matar aquele moço",
diz. As 15 músicas do disco Naturalmente Brasileiro eram exatamente as
mesmas gravações que estavam em seu álbum, Passarim, lançado dois anos
antes. Mais do que plágio, as canções que apareciam no CD de Moralle,
diz Pedro, haviam sido "transferidas" para o disco de Nelson. Ou seja,
Nelson estaria dublando sobre a voz do mineiro e assumindo as autorias
de suas canções, mudando apenas o título de cada uma delas no encarte do
disco. Romance de Colibri, assinada por Pedro e seu parceiro Braúna,
virava Colibri Apaixonado; Su aparecia como Sereia de Água Doce; Meu
Cavalo se Chama Disco Voador, também de Pedro e Braúna, ganhava o nome
de Histórias de Pescador.
A saga de como as músicas do disco de
Pedro chegaram às mãos de Nelson é contada pelo mineiro, que diz ter
hoje dificuldades para ouvir o próprio disco. "Não consigo. Logo me vem à
mente o rosto dele e eu fico louco de raiva." Pedro narra que, depois
de conhecer suas canções em um show em Porto Seguro, na Bahia, Nelson
ligou para sua casa pedindo uma cópia de seu disco. Apresentou-se como
um funcionário do Sesc que gostaria de agendar shows para o músico em
São Paulo. Nelson teria ainda ligado outras vezes, pedindo o número do
protocolo dos Correios para localizar o disco. Pedro passou os dados e
esperou pela data de show. "Ele nunca mais atendeu aos meus
telefonemas", diz Pedro.
A reportagem foi primeiro atrás dos
nomes e das empresas citadas no encarte do disco de Nelson Moralle.
Almir Sater seria mesmo o produtor e arranjador do CD, além de parceiro
de Moralle em uma das canções? "Eu? Nunca ouvi falar o nome desse
rapaz", diz o violeiro. A Petrobrás seria mesmo uma das empresas
patrocinadoras do projeto, conforme indica a contracapa do disco? "Não
encontramos em nossos arquivos registro de patrocínio ao projeto
mencionado." E foi além: "Estamos analisando eventuais medidas cabíveis,
diante do uso indevido da logomarca", informou, por meio de sua
assessoria de imprensa. Segundo a empresa, o logo usado no material não
condiz com a marca impressa em projetos patrocinados no Brasil. A Caixa
Econômica Federal também não encontrou nenhum registro de patrocínio,
nem no nome do artista nem da empresa que seria a proponente, segundo
Nelson Moralle: a JMSMusic. José Martins, responsável pela JMS Music,
diz que não é proponente nem responsável por captação de recursos. "A
única coisa que fiz aqui foi imprimir as cópias do disco, que já chegou
gravado."
Compositor Pedro Boi |
A delegacia de São Roque registra uma
prisão preventiva de Moralle, em 2006, por falsificação de documento e
estelionato. Uma outra condenação saiu em 2008, em Sorocaba, por
parcelamento irregular do solo. "Fui preso por uma armação política",
diz Moralle. A reportagem encontrou com ele em um café de São Roque.
Moralle levou o violão, rebateu as acusações e se disse vítima de uma
perseguição. Quando a reportagem pediu que ele tocasse as músicas que
estão em seu disco, ele disse que não sabia.
A matéria acima que estamos reproduzindo neste espaço eletrônico foi publicada anteriormente no blog "Em Cima da Notícia", de Luis Carlos Gusmão, em 09/02/2013.
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