quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O PREÇO DO SUCESSO


Andréia Moura

Há certas coisas que o mundo reluta muito engolir. George Bush, futebol boliviano, Saddan Hussein, um jornalista mentiroso. Para o jornalista que faz dos fatos seu instrumento de trabalho e da veracidade destes seu atestado de profissionalismo, é desrespeitoso, insustentável, a idéia de trair a população e os colegas de profissão publicando inverdades sob a égide da informação. Não importa se isso se apresenta através de fontes inventadas, plágio descarado ou mudança “sutil” das declarações apuradas. No jornalismo honesto, não há perdão para os que se utilizam destes estratagemas para subir na profissão. Para não fugir ao clichê: “o jornalista tem um compromisso com a verdade”.

Esse é o juramento de Hipócrates no jornalismo. O axioma sobre o qual fundamenta-se a carreira. Não há nada pior que um nome sujo pelo stigma da traição à profissão. No entanto, ao longo da história não foram poucos os que pensaram conseguir burlar essa realidade publicando toda espécie de mentiras que lhes aprouve. Um exemplo bem conhecido é o caso de Stephen Glass.

Em 1998, com apenas vinte cinco anos, Glass já trabalhava para uma das mais conceituadas revistas norte-americanas. A The New Republic tem fama de ser a única revista com acesso ao avião presidencial. As histórias de Glass eram fantásticas. Leves, engraçadas, surpreendentes. De uma forma irônica, inacreditáveis. Enquanto esteve no rol de funcionários da revista ele publicou 41 artigos. No fim das contas, 27 destas histórias eram pura “cascata”.

O fim da carreira promissora de Glass se deu ao publicar uma reportagem intitulada “O paraíso dos Hackers”. Na história, um garoto de 15 anos, acessava os arquivos confidenciais de uma empresa de informática. A empresa ao invés de denunciá-lo o contratava lhe dando um carro, uma assinatura vitalícia da Playboy, além dos diversos benefícios que qualquer funcionário normal teria. Depois do acerto com a empresa o garoto ainda participava de um encontro anual de hackers para comemorar o novo emprego. A princípio a história teve a repercussão esperada, mas Glass não contava com uma possível curiosidade de periódicos relacionados ao segmento de informática.

A Forbes Digital, uma revista especializada em tecnologia e informática, ficou indignada ao perder a cobertura de um assunto como este. Intrigado com sua “suposta” falta de atenção, um dos jornalistas da revista resolveu investigar e descobriu, estupefato, que a reportagem era totalmente inventada. A maior vergonha para a The New Republic foi o descuido na checagem dos fatos. Nas revistas norte-americanas, principalmente nas renomadas, o repórter é obrigado a entregar suas anotações. Nomes, telefones, endereços. Há uma equipe responsável pela verificação destes dados para que inverdades não sejam publicadas.

Quando a Forbes exigiu explicações, a The New Republic se viu numa enrascada. Após uma nova checagem, as informações se mostraram falsas e Glass se revelou um verdadeiro “cascateiro”. Ele já havia trabalhado no setor de checagem e sabia como enrolar a equipe. Pego, foi trucidado pelos colegas e mandado ao inferno. Não sem merecimento, deve-se acrescentar. Depois, a revista checou todas as reportagens publicadas por ele e mais de 50% eram histórias parcial ou totalmente inventadas.

Glass em sua busca por holofotes cometeu o único erro para qual não há reparação nesta profissão. Abusar da crença que a sociedade e os profissionais depositam no jornalismo. Outros, por bem menos, foram relegados ao ostracismo. Muitos, na ânsia de alcançar o sucesso incorrem em erros primários que acabam por manchar sua imagem, às vezes de forma irreparável. Como já dizia Einstein “o único lugar onde sucesso vem antes de trabalho é no dicionário”.

Um verdadeiro jornalista solidifica sua carreira com trabalho árduo, com tempo, com experiência. Compreende que sem isso seu edifício de realizações é frágil, uma construção sem alicerces que um vento qualquer pode derrubar. O pior de se inventar histórias e fontes, plagiar ou modificar declarações não é o crime em si, mas o fato que de isto é um atestado real de incompetência. Que jornalista precisa criar fontes e declarações ou copiar textos de outros? Aquele que não é capaz de realizar o que a profissão exige.

Mais que viver para criar bom nome e reputação o jornalista deve honrar o compromisso que assume ao se formar. Seu papel é intermediar a relação da sociedade com os fatos e não contar histórias tocantes, mirabolantes. Se, nesse processo, consegue fazer as duas coisas, só comprova sua qualidade como profissional. Isto, conseqüentemente, lhe trará sucesso. “Apenas pelas palavras o ser humano alcança a compreensão mútua. Por isso, aquele que quebra sua palavra atraiçoa toda a sociedade humana”. (Michel de Montaigne)

(Artigo publicado no site Canal da Imprensa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário